Os 104 milhões de brasileiros, que compõem a classe média, devem movimentar R$ 1 trilhão neste ano, um quarto do PIB brasileiro. Detalhe: o maior crescimento é dos consumidores negros.
Luiza Trajano, presidente do Magazine Luiza, não perde a oportunidade de
visitar a favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, onde abrirá
uma loja, em breve. Bem-humorada, a empresária aproveitou o encontro
com o presidente da Whirlpool, João Carlos Brega, durante um evento em
São Paulo, na quinta-feira 20, para contar o que as moradoras da favela,
que têm comprado pela loja online do Magazine, cobram dela, enquanto a
loja física não é inaugurada. “Brega, pelo amor de Deus, me manda
geladeiras de duas portas, inox e com a função frost free”, enfatizou
Luiza, pedindo ao executivo para acelerar a entrega de um lote extra das
geladeiras mais sofisticadas, que atenda à demanda dos consumidores
emergentes.
“Essa classe média é diferente!” Como
comerciante nata, é no tête-à-tête com a comunidade que Luiza sente a
temperatura do mercado. “O Brasil é outro”, afirma. Sua percepção foi
confirmada pelo estudo “Vozes da Classe Média”, divulgado,
coincidentemente, na mesma quinta-feira, em Brasília, pela Secretaria de
Assuntos Estratégicos (SAE). A exigência de produtos e serviços mais
sofisticados é uma característica marcante dessa camada, que já soma 104
milhões de pessoas, ou 53% da população brasileira ( há 10 anos,
representava 38%). “A classe média já cumpriu seus anseios mais básicos
de consumo e agora começa a mudar seus hábitos e exigir mais”, diz
Renato Meirelles, sócio do Instituto Data Popular, que consolidou a
pesquisa “Vozes da Classe Média”.
Segundo o estudo, em 2012, os
consumidores emergentes devem movimentar R$ 1 trilhão em compras, um
número que salta aos olhos em qualquer lugar do mundo. Caso fosse um
país, esse grupo, que reúne consumidores com renda per capita de R$ 291 a
R$ 1.019 mensais, seria o 18º em poder aquisitivo. Essa dinheirama nas
mãos de uma população, que até pouco tempo estava praticamente alijada
do mercado, traz um desafio formidável para as empresas, acostumadas a
atender a metade mais rica da pirâmide. “É mais difícil vender para a
classe emergente”, diz José Fuentes Molinero Jr., vice-presidente de
eletrônicos da Samsung. “É preciso colocar toda a tecnologia disponível
nos nossos produtos, sem descuidar dos custos.” A necessidade de
oferecer mais por menos torna-se cada vez maior para as empresas no
Brasil, mas o investimento nesse binômio será tremendamente lucrativo.
Segundo o trabalho da SAE, a
renda da nova classe média cresceu 3,5% ao ano na última década, contra
os 2,4% anuais do resto da população. Ao todo, 35 milhões de
pessoas ascenderam a esse grupo na última década, o equivalente à
população da Argélia. Importante: 80% desse contingente de novos
consumidores são negros. Ao mesmo tempo, essa mudança na escala social
foi liderada, em especial, por famílias chefiadas por mulheres. “Elas
são as grandes protagonistas dessa classe média”, diz Meirelles, do Data
Popular. A renda da população feminina nesse grupo cresceu 79%. A
projeção generosa feita pelo levantamento divulgado na semana passada
está levando setores que ainda não haviam despertado para o potencial
desse estrato a planejar estratégias específicas para conquistá-lo.
É o caso da mineira Localiza, a maior
locadora brasileira de automóveis. “É uma oportunidade para nós”, diz
Roberto Mendes, diretor financeiro da Localiza. “A renda está
aumentando, as pessoas vão viajar cada vez mais e, consequentemente,
alugar carros.” Mesmo em setores tradicionais, como o de
eletrodomésticos e eletrônicos, subsiste uma demanda reprimida. “Metade
dos lares brasileiros ainda não tem máquina de lavar roupa”, diz Renato
Meirelles, do Data Popular. No caso de tevês e geladeiras, produtos que
têm mais de 90% de penetração, a demanda virá pela troca por aparelhos
mais modernos. Isso explica a reclamação feita por Luiza Trajano ao seu
colega Brega, da Whirlpool: “Estamos perdendo vendas!”.
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